Expulsar alunos da aula: testemunhos dos professores
Um dos dilemas mais comuns enfrentados pelos professores entrevistados (e isso não se aplica apenas a estagiários e professores recém-licenciados) foi o que fazer quando não conseguiram evitar que um ou mais alunos arruinasse a atmosfera de aprendizagem na sala de aula. Em alguns casos, o comportamento em questão foi extremo (ver Capítulo 7) e, em certo sentido, isso facilitou a tomada de decisões, mas, com mais frequência existem decisões difíceis sobre se um aluno havia perdido o direito de permanecer na sala de aula. Essas decisões foram complicadas pelo facto de que as escolas (e às vezes os departamentos) tinham políticas diferentes para lidar com essas dificuldades, “níveis de tolerância” diferentes para a interferência dos alunos. A natureza da classe e a “cultura do aluno” dentro da escola (ver página xx) também podem influenciar a eficácia de tomar tais acções contra os alunos. Em algumas escolas, um grupo de alunos pode tácita ou abertamente apoiar o aluno que está a ser expulso. Em outras circunstâncias, os alunos podem muito bem concordar que o professor expulse o aluno:
‘Temos muita sorte aqui porque geralmente os miúdos ficam satisfeitos de se verem livres deles… “Porreiro, ele já não está na sala”, eu consigo ver que eles ficaram satisfeitos, que ficou resolvido, que eu fiz algo.’
(Professor recém-licenciado)
Este não foi o único exemplo onde as atitudes dos outros alunos influenciaram a tomada de decisão sobre expulsar um aluno. No caso seguinte, o facto de que outros alunos estarem “de acordo”, e não conspirar com um aluno difícil levou um professor a decidir não expulsar o aluno:
“Não posso afirmar que o comportamento dele não teve efeito sobre a qualidade da lição para os outros alunos… mas a lição continuou, os alunos aprenderam algo, não foi perfeito, mas quase todos os alunos estavam “de acordo”, eles podiam ver que eu estava a fazer o meu melhor, a tentar ser razoável. Eles estavam implicitamente do meu lado, mesmo que não pudessem fazer muito para ajudar.
(Quatro anos no ensino numa escola difícil)
Embora, em certa medida, a decisão de expulsar o aluno da aula, e em que circunstancias tal deve ocorrer, dependesse do julgamento individual do professor, a tomada de decisões foi influenciada pela política e prática escolar e departamental. Em algumas escolas, havia um entendimento de que, se um aluno não pudesse ser impedido de interferir com a aprendizagem dos outros, mesmo a um nível bastante baixo, não deveriam ser autorizados a ficar na sala de aula. Em outras escolas, os professores foram encorajados a considerar a expulsão como último recurso, e mesmo assim, tentar trazer os alunos de volta à sala de aula o mais rápido possível, depois de alguns minutos para se ‘acalmar’, e um aviso sobre o seu comportamento.
Em alguns casos, as decisões dos professores foram influenciadas pela eficácia dos sistemas escolares:
“Não devemos colocar as crianças no corredor. O sistema é para enviá-los para a sala de ‘Castigo’, se eles se portam mal, na medida em que estão a prejudicar a aprendizagem dos outros. Alguém é suposto vir buscá-los e trazê-los. Isto parece ser uma boa ideia mas pode demorar 20 minutos para que alguém chegue e, entretanto, é necessário suportar o aluno que nos está a arruinar a aula. Por vezes não está lá ninguém, ou ninguém vem porque quem quer que seja que está na sala de castigo está de folga ou esqueceu-se. Fez-me perceber que tenho que continuar a lição sozinha. Talvez seja bom porque assim faz-me pensar bastante no que posso fazer, como devo reagir, torna-me mais auto-suficiente, mas continuo com inveja de alguns professores recém-licenciados que têm uma rede de apoio no departamento onde trabalham.’
(Professora recém-licenciada)
(Um dos professores recém-licenciados mencionou com entusiasmo estar a estagiar numa escola onde dois funcionários robustos, que não fazem parte do corpo docente, vieram quase que imediatamente e levaram os alunos desordeiros para a sala de castigo, mas este nível de serviço não parece estar amplamente disponível).
Seria útil para os novos professores se existisse um conjunto de critérios transparentes para quando se deve expulsar alunos, como expressa o princípio delineado por um chefe de departamento:
‘Se eles estiverem a perturbar a aprendizagem dos outros… a interromper os alunos que querem aprender, e eles não param depois de lhes ter sido pedido e depois de terem sido dados avisos… eles devem ser expulsos.’
Todavia, embora isto possa ser imediatamente praticável em algumas escolas, em outras tal não foi considerado possível:
‘Tínhamos uma ‘sala de espera’ mas apenas para comportamentos extremos… para coisas menos extremas era suposto enviarmos o aluno para fora da sala por alguns minutos para que se acalmasse, dar-lhe uma palavrinha fora da sala para que não se portasse mal em frente aos colegas. Todos sabemos que se expulsarmos todos os miúdos que se portam mal, o sistema ficaria saturado. Não era ideal mas tínhamos que gerir as coisas da melhor maneira possível em termos de limitação de danos. O que é que eu posso fazer nesta situação desastrosa?’
(Adjunto no Departamento de uma escola com Medidas Especiais)
Estes exemplos sublinham a importância dos professores serem flexíveis, adaptáveis e auto-suficientes. Parte da aprendizagem de como ensinar concentra-se em como lidar com a situação quando a situação não é perfeita. Dada a gama de factores e de pessoas que influênciam a qualidade da vida do professor estagiário ou recém-licenciado seria surpreendente que todos os colegas e todas as facetas da escola fossem perfeitos. Vários orientadores com experiência sugeriram que um grau de ‘adaptabilidade’, ‘rapidez de ajuste e de resposta às situações’ eram qualidades úteis para os novos professores em vez de ‘esperar que a resposta venha até eles’ (Formador de Professores). Nas palavras de outro Formador:
‘Tem a ver com a inteligência que eles têm em determinar quais os limites de comportamento aceitável que são considerados “normais”. Não tem apenas a ver com os valores e normas do professor mas da escola, e estes variam enormemente. Em algumas escolas eles são bastante exigentes e esperam que o professor expulse os alunos assim que eles cometam a mínima interferência com a aprendizagem, em outras escolas espera-se do professor que este lide com bastantes situações e que mantenha os alunos dentro (da sala de aula). Tem a ver com a velocidade com que alguns estagiários encarreiram com as normas e convenções em operação em algumas escolas. Tem a ver com a rapidez com que eles reagem às coisas, como aprendem e como se adaptam.’
Em adição aos assuntos relacionados com a ‘saúde e segurança’, e comportamentos violentos, agressivos ou ameaçadores, um dos critérios de expulsar o aluno mencionado por muitos professores com experiência tinha a ver com interrupções persistentes e ‘específicas’, no sentido que tinham a intenção deliberada de arruinar a lição:
‘Se for calculado… se eles estiverem deliberadamente a tentar sabotar a lição e se for considerado um ataque contínuo para que a lição páre, então temos que expulsar o aluno. Podemos aceitar alguns incidentes se forem espontâneos – alguns dos nossos alunos são bastante voláteis mas são mesmo assim apenas crianças, têm emoções, alguns deles sentem-se genuinamente bastante perturbados a por vezes eles ficam chateados. Nós somos os adultos, devemos ser capazes de compreender que se for apenas um momento de parvoíce ou perda de controlo e que depois param e acalmam-se isso é aceitável.’
(Quarto ano de ensino numa escola difícil)
‘É um incidente único onde o professor pode simplesmente dizer ‘não importa, vem me ver no final da aula’, ou um ataque contínuo à lição, um desafio deliberado à autoridade do professor até que este tome uma decisão? Caso se trate da segunda opção, se calhar será necessário que o professor pense em expulsar o aluno se já tentou avisá-lo, mudá-lo de lugar, etc.’
(Chefe de Departamento com experiência)
‘Temos uns alunos aqui que acham bastante difícil obedecer ao comportamento normal requerido dentro da sala de aula. Não têm autodisciplina, autocontrolo, nem boas maneiras, mas isso representa apenas como eles são, eles não estão de maneira cínica a tentar arruinar a lição de forma premeditada. O professor tem que tentar persuadi-los a portar-se bem, acalmá-los, aprender a lidar com eles, lisonjeá-los a continuar com as actividades. O tratamento habilidoso pode manter os alunos dentro da sala de aula. Alguns professores expulsam mais alunos do que outros. Por vezes expulsar um aluno é a atitude correcta, mas não é possível regularmente expulsar dezenas de alunos durante a lição. Alguns corredores são como uma comunidade de refugiados porque tantos alunos são colocados fora da sala de aula.’
(Chefe do Ano numa escola difícil)
‘Por vezes é necessário, é a atitude correcta, não é um sinal de fracasso por parte do professor, mas a menos que esteja a ocorrer uma barbaridade, para acalmar a situação durante alguns minutos fale com eles calmamente e tente com que eles se acalmem.’
(Chefe do Departamento numa escola difícil)
‘O mesmo acontece quando o professor levanta a voz, eles não obedecem se o fizer amiúde… e para além disso se já expulsámos um aluno não vai correr bem, eles começam a ter força em números – eles têm um amigo com quem brincar, com quem falar ou com quem planear como chatear o professor um pouco mais… o professor começa uma pequena revolta na aula.’
(Formador de Professores)
Quase sem excepção, os professores e directores entrevistados foram da opinião que existem ocorrências onde é apropriado expulsar os alunos, como um método de segurança, para permitir que o aluno ‘se acalme’, para impor o direito que o professor tem de ensinar e para proteger o direito dos alunos que querem aprender.
Os professores com experiência tinham opiniões acerca de como expulsar os alunos. Uma opinião expressada comummente foi que os professores estagiários e recém-licenciados eram muito indecisos, ‘hesitavam’, davam avisos mas não agiam, e por vezes esperavam muito tempo antes de expulsar o aluno:
‘Eu tinha que estar bem atento em termos de saber exactamente como determinar quem é que tinha ido longe demais depois de lhes ter dado um aviso, aí esse aluno em particular ficaria a cargo do departamento e os outros acalmava-se. Se o professor não reage quando algo acontece e deixa passar muito tempo até que vários alunos se portem de maneira inaceitável, fica muito mais difícil porque depois não sabemos por onde começar, fica muito generalizado, o professor torna-se arbitrário e injusto, fica desorientado. Eu aprendi a agir imediatamente e com firmeza, não deixo que a situação fique sem controlo antes de tomar uma decisão.’
(Professor recém-licenciado)
‘Eu tenho mais firmeza agora quando expulso um aluno, tenho uma ideia mais clara sobre quando é que é necessário, quando é o passo correcto a dar. É normal ser um pouco inseguro no ano de estágio. A ideia é dar-lhes um aviso claro (ou avisos) e depois agir sem esperar muito tempo.’
(Professor recém-licenciado)
‘O que os miúdos detestam é a falta de consistência, quando os castigos são arbitrários, quando “não é justo” e os outros alunos podem ver que não é justo.’
(Director da Escola)
‘Alguns são tímidos demais para intervir. Por vezes pergunto: “porque é que não o expulsaste da sala de aula? E eles respondem: “porque você estava lá.”. Eles vêm isso como ser frouxo, um sinal de fraqueza. Deixam as coisas correr até que vários miúdos estejam a portar-se mal e depois entram em pânico e expulsam um aluno sem sequer lhes dar um aviso, escolhem um aluno aleatoriamente porque ficaram atrapalhados sob pressão.’
(Formador de Professores)
A maioria das respostas recomendavam uma maneira e tom de voz subtil e ‘moderado’, para falar com os alunos ao expulsá-los, em vez de soar zangado usar gestos e palavras enfáticas:
‘Não reaja como se fosse algo extremo… “Espera por mim lá fora durante um minuto, já te venho buscar quando organizar esta tarefa…” Quando eles estão fora da aula mencione-lhes as opções… regresse à sala de aula e continue a aula calmamente… e é tudo, terminado, esquecido… e continuamos calmamente.’
(Chefe de Departamento numa escola difícil)
‘Eu tento fazê-lo de maneira moderada, sem que pareça um tiroteio entre cowboys… “Podes esperar por mim lá fora, e eu já saio para falar contigo daqui a um minuto”. Por vezes abro a porta e continuo a dar instruções ao resto da classe, e depois calmamente se o aluno ainda não saiu vou até ele e lembro-o de que tem que sair, que não me esqueci.’
(Terceiro ano de ensino)
Um outro problema bastante comum ao expulsar alunos é que por vezes eles procuram chamar a atenção do resto da classe quando estão fora da sala de aula, saltam para cima e para baixo em frente da janela, fazem caretas, batem no vidro da janela, perguntam se já podem entrar. A resposta mais recomendada nestes casos foi ‘ignorá-los de maneira engenhosa’:
‘Diga-lhes para saírem da sala de aula durante 5 ou 10 minutos, para que eles fiquem aborrecidos e queiram regressar, e se eles estiverem a portar-se mal lá fora ignore-os, continue a dar a aula, geralmente eles acalmam-se depois de uns minutos e ficam quietos.’
(Professor recém-licenciado)
‘Alguns estagiários expulsam os alunos durante muito tempo, esquecem-se que eles estão lá fora e os miúdos vão passear. Se o professor os coloca fora da sala de aula, deve manter um olho de vigia no que eles estão a fazer sem que eles percebam. Continuar a dar a aula de forma descontraída e calma e depois sair ‘como quem não quer a coisa’ e falar com eles.’
(Chefe de Departamento)
Se expulsar os alunos ‘funciona’, se os alunos se portam melhor depois de regressarem à aula, se eles concordam em sair ou se recusam depende dos passos adicionais que o professor demonstra ter, da ‘firmeza’ do sistema escolar no seguimento das coisas, do grau ao qual o professor está preparado para dar seguimento aos incidentes de interrupção, e até que ponto os pais dão apoio à disciplina escolar. Uma pergunta interessante é o que acontece a um aluno que foi expulso e que depois continua a portar-se mal? Nada? ‘Só isso?’, ou haverá ‘consequências’? e quem é que vai demonstrar esforço e ter tempo para resolver as consequências? O professor que expulsou o aluno ou o ‘sistema escolar’? Tanto os directores como os chefes de departamento sugerem que o professor que expulsou o aluno deve ter pelo menos alguma da responsabilidade de dar seguimento à disciplina.
‘Expulsar os alunos é um passo possível se mudá-los de lugar dentro da sala não funcionou. Idealmente, numa boa escola ou com um sistema departamental bom, também haverá a opção de vários outros passos, tais como enviá-los para a sala de espera, ou sentar-se na sala de aula de uma outra turma. Se o mau comportamento continua na próxima classe, e na classe depois dessa, algo mais sério deve ser feito, e tal pode envolver os pais, o chefe de ano e assim por diante. No entanto, os professores devem estar preparados para se esforçarem e terem tempo de dar seguimento à disciplina, manter os alunos na aula, contactar os pais e assim por diante. Não devem apenas passar o problema para outra pessoa. O que acontece depois de uma lição normalmente determina se o comportamento do aluno fica ou não resolvido.’
(Formador de Professores)
‘Quando o professor fala com os alunos fora da sala de aula, quando eles não estão em frente aos amigos, explique-lhes que a atitude deles está a ficar séria e significativa. Que eles podem regressar à sala e ficar quietos até ao final da lição e o caso fica resolvido, ou que a alternativa acartará sérias consequências e que o comportamento deles ficará sujeito a uma deliberação mais profunda… tal pode ser com o director de turma, chefe de ano, contactar os pais deles, mas explique-lhes as opções de forma clara.’
(Chefe de Departamento)
Que aperfeiçoamentos podem os professores considerar fazer à prática de ensino deles face a estes comentários? Tal pode depender da natureza da prática que têm actualmente nesta área. Podem já ter uma tendência a expulsar alunos imediatamente, mesmo que precipitadamente, e a sugestão de alguns professores de esperar bastante tempo antes de os expulsar não se aplica a eles. No entanto, os professores podem reflectir sobre como é que a prática deles se compara com a de outros professores dentro da mesma escola, e se eles fazem alguns dos julgamentos erróneos mencionados acima. Podem experimentar se os ajustes à maneira de actuar deles faz alguma diferença e podem perguntar a outros professores (especialmente àqueles que ensinam vários alunos no nível 10 da escala) como é que eles lidam com expulsões.